A estrutura institucional e o equilíbrio de poderes na União Europeia

AuthorSalvador Franco de Lima Laurino
ProfessionDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, em São Paulo. Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especializou-se no Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Pages27-31

Page 27

O quadro das instituições da União Europeia compreende o Conselho da União Europeia, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Tribunal deJustiça, o Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas.50

A União desempenha cinco funções políticas: i) a função legislativa, exercida pelo Parlamento e pelo Conselho da União Europeia (TUE, art. 14 e 16), por iniciativa da Comissão (TUE, art. 17) e com a possibilidade de intervenção dos parlamentos nacionais; ii) a função executiva, exercida pelas autoridades dos Estados-membros e pela Comissão, a quem cabe, ainda, executar as decisões do Parlamento e do Conselho da União Europeia, aplicando políticas, implantando programas e gerindo fundos, além de garantir o respeito pelo direito comunitário (TUE, art. 17 e TFUE, art. 291); iii) a função jurisdicional, confiada ao Tribunal de Justiça e aos tribunais dos Estados-membros (TUE, art. 19); iv) a função de orientação e de programação, exercida pelo Conselho da União Europeia, Comissão e Conselho Europeu (TUE, art. 15 a 17) e, por fim, v) uma função orgânica, confiada no essencial ao Conselho Europeu (TUE, art. 18 e 48).51

Esse arranjo institucional reflete duas preocupações fundamentais. De um lado, assegurar à ação da União uma tripla legitimidade — a democrática, a comunitária e a intergovernamental. De outro lado, reproduzir num sistema com especificidades próprias, diferente do padrão convencional dos regimes parlamentares ou do regime presidencial de que são exemplo os Estados Unidos, o princípio da separação e equilíbrio de poderes, que é atributo do Estado de Direito.52

A tripla legitimidade é atingida pela participação de quatro instituições no processo de decisão: o Parlamento, cujos integrantes são eleitos por sufrágio direto

Page 28

e universal dos cidadãos da União, que é o que garante a legitimidade democrática; a Comissão Europeia, cujos membros são escolhidos em função da competência geral e do seu empenhamento europeu, que é o que garante a legitimidade comunitária; o Conselho da União Europeia e o Conselho Europeu, formados por representantes do governo nacional de cada Estado-membro, que são os que garantem a legitimidade intergovernamental.53

O Tratado de Lisboa reforçou o papel do Conselho Europeu e o do Parlamento. De um lado, o tradicional "trio institucional" — Comissão, Conselho da União Europeia e Parlamento — transformou-se em um "quarteto institucional" com a integração do Conselho Europeu. De outro lado, o método de codecisão — o mecanismo de decisão conjunta do Parlamento e do Conselho da União Europeia — tornou-se o procedimento legislativo ordinário, o que alargou o campo de participação do Parlamento.54

Essas alterações visaram fortalecer a legitimidade democrática e a intergoverna-mental em detrimento da legitimidade comunitária, deslocando o ponto de equilíbrio entre os poderes da União.55 Ainda assim, o gradativo alargamento do campo de atuação do Parlamento nas decisões, que começou com o Tratado de Maastricht, não é bastante para eliminar o chamado "deficit democrático" da União Europeia.56

Page 29

Embora o sistema político comunitário incorpore um conjunto de atributos que, no plano formal, não o diminui na comparação com as modernas democracias nacionais,57 as elevadas taxas de abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu,58 bem como a trajetória de rejeição sempre que um tratado é submetido

Page 30

ao escrutínio popular,59 permitem inferir indiferença ou até mesmo pouca confiança dos cidadãos na atuação da instituição.60

Outro ponto sensível do sistema político europeu estaria no exagerado ativismo do Tribunal de Justiça, cuja legitimidade democrática seria demasiado indireta e mediada para justificar decisões capazes de causar severos impactos no âmbito interno dos Estados-membros, muitas vezes fundadas em razões mais políticas do que jurídicas.61

Em tempos recentes, a questão da democracia ganhou outros contornos com o protagonismo assumido pelo Conselho Europeu no enfrentamento da crise da dívida pública que atinge parte dos países da zona euro. Apesar de lhe competir apenas "os impulsos necessários ao desenvolvimento" da União, bem como a definição das "orientações e prioridades políticas gerais", sem exercer "função legislativa" (TUE, art. 15), o órgão alargou os seus poderes e passou a desempenhar um papel que excede a atribuição prevista nos tratados.62

Page 31

Esse desvio institucional, denominado por Mario Monti de "creditocracia", manifesta-se na "supremacia de fato" dos países "do Norte" que, mais bem classificados pelas agências de notação, estão em posição de força em relação aos fragilizados países "do Sul".63 "Se não de direito, pelo menos de fato, atendendo ao peso político dos seus membros e às perturbações ligadas à crise da dívida pública, o papel do Conselho Europeu foi profundamente alterado. Longe de se limitar a dar 'impulsos', os chefes de Estado e de governo passaram a tomar decisões vitais para os países em dificuldades: contribuição de fundos de ajuda, definição de contrapartidas sociais, econômicas e orçamentais, acordos com os credores privados sobre as condições de abandono 'voluntário' de dívida etc.".64

---------------------

[50] Cf. ALVARES, Pedro. O Tratado de Lisboa..., cit., p. 18.

[51] Cf. ZILLER, Jacques. O Tratado de Lisboa..., cit., p. 50-51.

[52] "O princípio da separação dos poderes não se aplica à União Europeia nos mesmos termos em que se aplica aos Estados-membros, em que é possível distinguir entre a função normativa primária, reconhecida, sobretudo, aos...

To continue reading

Request your trial

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT