O significado e o impacto da jurisprudência do Tribunal de Justiça: a subordinação dos direitos sociais às liberdades econômicas

AuthorSalvador Franco de Lima Laurino
ProfessionDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, em São Paulo. Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especializou-se no Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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Em todos esses casos, o Tribunal de Justiça foi convocado a equacionar a tensão entre as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços em face da obrigação de os operadores econômicos respeitarem, no âmbito do regime de destacamento, o "núcleo duro" de disposições mínimas dos sistemas de relação de trabalho dos países de acolhimento previsto na Diretiva n. 96/71.

À partida, o Tribunal reconheceu a plena equivalência entre os valores e princípios sociais e econômicos no direito comunitário. Afirmou que "a Comunidade não tem somente uma finalidade econômica, mas também uma finalidade social, em que os direitos que derivam das disposições do Tratado relativas à liberdade de circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais devem ser equilibradas com os objetivos perseguidos pela política social".212

Apesar disso, enunciou uma hierarquia de valor entre as liberdades econômicas e os direitos sociais. Depois de afirmar que a ação sindical configura-se como direito social fundamental, aplicou o critério da proporcionalidade e esvaziou-a de substância ao submetê-la à condição de não "entravar" a liberdade de estabelecimento e nem a liberdade de prestação de serviços.

O Tribunal entendeu que a Diretiva n. 96/71 não permite ao Estado de acolhimento subordinar a realização de uma prestação de serviços no seu território ao respeito de condições de trabalho que vão além das regras imperativas de proteção mínima, a não ser que os trabalhadores já se beneficiem no Estado de origem de condições de emprego mais favoráveis.

Os altos magistrados de Luxemburgo ressaltaram que as ações coletivas que constituam uma limitação à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços têm de ser "justificadas" à luz de quatro requisitos: i) a ação sindical deve perseguir um objetivo legítimo e compatível com os tratados; ii) deve ser justificada por razões imperativas de interesse geral; iii) deve ser idônea a atingir o objetivo perseguido; iv) não deve ir além do que é necessário para consegui-lo.213

Como percebeu Mario Galofaro, ao subordinar a liberdade de ação sindical às liberdades econômicas, o Tribunal não enveredou pelo caminho, por assim dizer,

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"brutal", de negar que o direito de greve e a liberdade de contratação coletiva gozem de proteção no direito comunitário. Uma afirmação "forte" como esta não seria "poli-tically correct" e levantaria um vespeiro de polêmicas em condições de deslegitimar a orientação jurisprudencial que se pretendia criar.214

Em vez disso, a Corte escolheu uma via mais "mórbida". Embora reconhecendo a natureza de direitos sociais fundamentais, colocou-os no mesmo plano da liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços. Se estão no mesmo patamar, em caso de conflito devem ser ponderados. Uma vez aceita a necessidade de ponderação, o jogo estava feito: a ampla discricionariedade que esta técnica atribui ao juiz foi utilizada para sacrificar o direito de greve e a liberdade de contratação coletiva em favor da liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços.215

A aplicação do critério de proporcionalidade é passível de crítica porque, em algumas situações, a utilização que os sindicatos fazem do direito de greve, com todos os seus riscos, é mesmo "desproporcional", justamente para o fim de alcançar um determinado objetivo, o que, de qualquer forma, entra no poder de autodeterminação que caracteriza a autonomia privada coletiva. 216

Daí que, na prática, as limitações fixadas pela Corte acabam por desequilibrar o confronto entre as forças sociais e econômicas. Sem a efetiva garantia do direito de coalizão e de ação coletiva, não há como conceber livre mercado de trabalho, uma vez que é praticamente impossível o indivíduo defender-se sozinho perante a força do empregador.217

Outro aspecto que causa surpresa é a valoração atribuída ao art. 3o, n. 7, da Diretiva n. 96/71, que assegura a...

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