A eficácia do direito da União Europeia: os princípios da aplicabilidade direta da norma comunitária e do primado do direito comunitário sobre o direito nacional

AuthorSalvador Franco de Lima Laurino
ProfessionDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, em São Paulo. Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especializou-se no Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Pages35-38

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No mecanismo de separação de poderes da União Europeia, o poder judicial é o mais claramente demarcado. Ele engloba não apenas o Tribunal de Justiça,76 mas todos os tribunais nacionais, chamados "tribunais comuns do contencioso comunitário", em uma combinação que resulta em um sistema articulado e coerente de instituições voltado à garantia do direito da União.77

A eficácia do direito comunitário perante os direitos nacionais é tema controvertido que ainda hoje provoca polêmica. Assenta-se, de um lado, na dialética entre a soberania dos Estados-membros e o poder político da União Europeia e, de outro lado, na forma como o sistema jurídico comunitário articula-se com os sistemas jurídicos dos Estados-membros.

No começo dos anos 1960, o Tribunal de Justiça lançou as bases de um modelo que viria a ser o principal motor do projeto de integração. Desde então, desenvolveu-se uma teoria judiciária da integração europeia que faz do direito e do juiz comunitário os pilares da própria política europeia, em um modelo que aproxima direito e política, juiz e integração.78

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No julgamento do caso Van Gend & Loos, com acórdão de 5 de fevereiro de 1963, os altos magistrados de Luxemburgo formularam o princípio da aplicabilidade direta da norma comunitária. Definiu-se que o direito europeu impõe-se no plano interno dos Estados-membros não apenas no plano vertical, ou seja, nas relações entre Estado e particular, mas também no plano horizontal, gerando direitos e obrigações nas relações jurídicas entre particulares.79

Com esse precedente, as jurisdições nacionais converteram-se em jurisdições comunitárias, incumbidas de salvaguardar o direito europeu no confronto com o direito do respectivo Estado-membro. No papel de juiz comunitário, ao juiz nacional passou a competir: a) a desaplicação da norma nacional incompatível com o direito europeu; b) a interpretação da norma nacional aplicável em conformidade com os fins e princípios do direito comunitário; c) o recurso ao Tribunal de Justiça, por meio do instrumento do reenvio prejudicial, em situações nas quais é incerta a interpretação da norma comunitária e d) a adoção de soluções não previstas na ordem jurídica nacional para garantir a efetividade do ordenamento comunitário.80

O princípio da aplicabilidade direta da norma comunitária logo suscitou a questão do conflito entre a norma comunitária e a norma nacional, o que levou à formulação de uma regra de conflitos. No julgamento do caso Costa contra ENEL, com acórdão proferido em 15 de julho de 1964, o Tribunal de Justiça enunciou o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional. Embora as normas comunitárias não sejam hierarquicamente superiores às dos direitos nacionais, elas possuem uma especial força conformadora, o que leva à sua aplicação mesmo quando contrariem o direito nacional.81

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Em conjunto, esses dois princípios — aplicabilidade direta da norma comunitária e primado do direito comunitário sobre o direito nacional — asseguram a eficácia do direito comunitário. Criado por força dos poderes previstos nos Tratados, ele tem o primado sobre toda e qualquer norma de direito nacional que o contrarie. Em caso de conflito, a norma comunitária prevalece não só sobre a legislação já existente, mas também sobre todas as normas posteriores, o que impede o direito interno de introduzir disposições que contrariem o direito da União.82

O último passo na afirmação do direito comunitário envolve o direito constitucional dos Estados-membros. Nesse campo, a situação permanece indefinida. Inicialmente, fundado na unidade substantiva do direito comunitário, bem como no...

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