A aplicação das convenções de direitos humanos em casos de detenção em conflitos armados não internacionais
Author | Gabriela Hühne Porto |
Pages | 87-103 |
Resumo
A partir da apresentação dos conceitos e dos desaos que envolvem a deten-
ção em contexto de conito armado não internacional, o presente artigo tem
como objetivo analisar a aplicação das Convenções de Direitos Humanos em
casos perante as Cortes Interamericana e Europeia de direitos humanos em que
as violações ocorrem nesse contexto. Será avaliada a necessidade de derroga-
ção do direito à liberdade pessoal para detenção dos considerados envolvidos
em conitos armados tendo como base a relação entre o Direito Internacional
dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário.
Palavras-chave
Direito à liberdade pessoal, Conito Armado Não Internacional, Detenção, Cor-
te Europeia de Direitos Humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos,
Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Internacional Humanitário.
Abstract
The aim of this article is, by presenting the concepts and the challenges sur-
rounding detention in contexts of non-international armed conicts, to analyze
the application of human rights instruments within cases from the Inter-Ameri-
can and European Courts of Human Rights. The obligation to derogate the Ri-
ght to Personal Liberty of the subjects involved in the conict will be analyzed.
Special attention will be paid to the relationship between the International Hu-
man Rights Law and the International Humanitarian Law.
Keywords
Right to Personal Liberty, Non-International Armed Conict, Detention, Euro-
pean Court of Human Rights, Inter-American Court of Human Rights, Interna-
tional Human Rights Law, International Humanitarian Law.
A APLICAÇÃO DAS CONVENÇÕES DE DIREITOS HUMANOS
EM CASOS DE DETENÇÃO EM CONFLITOS ARMADOS
NÃO INTERNACIONAIS
gABrielA hühne Porto
88 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Introdução
O objeto do presente artigo é avaliar a aplicação de normas de Direito Inter-
nacional dos Direitos Humanos (DIDH) por Cortes de Direitos Humanos para
casos de violações do direito à liberdade pessoal em contexto de conitos
armados não internacionais (CANIs). Para o Direito Internacional Humanitário
(DIH), esse tipo de detenção também é conhecido como “internamento”1 ou
“detenção administrativa”2. Antes de abordar esse tema especicamente, cabe
esclarecer certas premissas, como a relação entre o DIDH e o DIH.
A discussão mais moderna sobre essa interação foi inaugurada na Opi-
nião Consultiva sobre a Legalidade da Ameaça e do Uso de Armas Nucleares,
expressa pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) em 1996.3 Embora a CIJ na
referida Opinião Consultiva tenha ressaltado a especialidade do DIH para con-
itos armados (por meio da noção de lex specialis), ressalta-se que, na prática,
os dois regimes foram usados de maneira complementar na ocasião. No mes-
mo sentido, nos anos seguintes, no exercício de suas competências consultiva
e contenciosa, a CIJ seguiu integrando os regimes, inclusive deixando de fazer
referência ao termo lex specialis.4 Na verdade, muitos entendem que o termo
vem caindo em desuso por induzir a um falso entendimento de que se trata-
ria de um critério de especialidade absoluta e que levaria a uma simplicação
exagerada.5 Isso já foi negado expressamente pela CIJ,6 de tal sorte que a apli-
cação de DIDH não se limita a momentos de paz, podendo ser referência em
casos de CANI.7
Nesse sentido, a presente análise parte da premissa de que não existe um
regime que abstratamente prevaleça em litígios em contexto de CANI.8 O que
se pretende demonstrar é que o mais adequado seria comparar normas espe-
cícas desses ramos diante de casos concretos, a m de determinar a solução
que garanta a maior proteção possível ao indivíduo, sem prejuízo à coerência e
à efetividade da medida.9
Além da interação dos sistemas, outro aspecto que deve ser levado em
consideração preliminarmente é a importância de diferenciar os regimes nor-
mativos de CANI e os de Conito Armado Internacional (CAI)10, pois o fato de
esse ramo, ao contrário do primeiro, possuir normativa especíca para inter-
namento de combatentes, isto é, a tutela para prisioneiros de guerra, modica
toda discussão de aplicação de instrumentos de direitos humanos em coni-
tos.11 Logo, não há uma lacuna legal quanto à legalidade da detenção de sujei-
tos envolvidos com conitos armados internacionais. Além disso, não se deve
confundir os casos de CANI com meros distúrbios ou instabilidades internas,
haja vista que para que um contexto seja classicado como CANI é necessário
um elevado nível de organização do grupo armado, bem como de intensidade
e constância nos conitos.12
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