A atual crise dos refugiados na Europa: o déficit normativo à luz do direito internacional dos direitos humanos

AuthorMaíra Batista de Lara
ProfessionMestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Pages11-29
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA: O DÉFICIT
NORMATIVO À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS
Maíra Batista de Lara1
Resumo
O direito dos refugiados representa um dos grandes desaos da União Europeia.
Destaca-se que os requerentes de refúgio são migrantes com um status diferen-
ciado em razão da situação de perseguição. Esta situação especial implica um
tratamento diferenciado por parte dos países de entrada. Diante disso, o presente
artigo aborda as diculdades normativas no âmbito comunitário. Para compre-
ender a importância atribuída à matéria é abordado também o aspecto fático. A
atual crise de refugiados permite vericar as tensões políticas e as divergências
entre os países que compõem o bloco europeu. Após a vericação dos diversos
dispositivos que preveem o tratamento ao direito de refúgio vericou-se que o
instrumento normativo prioritário é a diretiva. As diretivas existentes limitam-se a
estabelecer direitos e condições para o requerimento do refúgio e o procedimento
para este. Neste cenário, identica-se uma limitação das normas comunitárias. O
adequado tratamento da matéria deve ser feito a partir da leitura integrativa dos
direitos humanos em momentos anteriores e posteriores ao pedido de refúgio.
Palavras-chave
Direito Internacional dos Refugiados. Diretivas. Crise Europeia. Direito Interna-
cional dos Direitos Humanos.
Introdução
A União Europeia tem enfrentado inúmeras diculdades em relação aos refu-
giados que objetivam fugir de graves conitos armados ocasionados princi-
palmente no norte da África e na Síria. O grande uxo de pessoas que tentam
1 Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
área de concentração: Cidadania, Estado e Globalização linha de pesquisa:
Direito Penal. Professora substituta da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro. Advogada. Graduada em Direito pela UERJ (2011). E-mail:
ra@yahoo.com.br>.
12 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
ingressar no espaço de livre circulação europeu coloca mais uma vez a União
diante da necessidade de tratamento em conjunto do problema para que assim
possam sobrevir soluções equânimes.
Esta é a principal diculdade discutida no presente artigo. Desde o início
do processo de integração da Europa, as questões de imigração e de direito de
refúgio (e asilo) são colocadas como temas para a normatização conjunta, visto
que a livre circulação de bens e serviços também implica livre circulação de mão
de obra, ou seja, de pessoas. Nesta linha, a forma de acolhimento e garantias de
direitos também precisavam ser elevadas do âmbito nacional dos Estados-mem-
bros (e, portanto, de suas legislações internas) para o âmbito do direito europeu.
Por outro lado, a preocupação com a segurança dos países também ree-
te a importância da criação do direito comum sobre o tema dos refugiados e da
imigração. No presente estudo será identicada a estrutura normativa comum
a respeito do direito de refúgio. Procura-se mostrar suas limitações para que a
partir delas possa ser desenvolvida uma nova abordagem do tema que envolva
a ampliação da proteção aos direitos humanos.
Para tanto, além da identicação das normas já existentes, objetivou-se
apresentar os problemas fáticos que envolvem a recepção e concessão aos
indivíduos vítimas de perseguição o direito de ser acolhido. Esta é uma questão
de relevo na medida em que cresce o quantitativo destas pessoas em países
com fronteiras externas, principalmente, Hungria, Grécia e Itália, e ocasiona-se
um desequilibro interno em relação às responsabilidades dos países da União.
Desta forma, são identicadas as disposições europeias sobre o tema, bem
como suas lacunas e a diculdade de construção do direito comum diante de
mais um momento de tensões entre a proteção de direitos e as medidas secu-
ritárias. Por m, pretende-se mostrar que ampliação do âmbito de proteção
dos direitos humanos neste tema pode auxiliar na criação de mecanismos mais
ecazes para o tratamento da matéria.
1. O direito de refúgio na União Europeia: A estrutura normativa e
a crise atual
Historicamente, em razão das guerras e conitos armados ocorridos na Europa,
identica-se intenso processo de emigração durante as duas Grandes Guerras.
Observa-se que o desenvolvimento da União Europeia a partir da Comunidade
do Carvão e do Aço embora concebida, inicialmente, como uma união especí-
ca para aspectos econômicos já era vislumbrada por alguns de seus idealiza-
dores como uma integração mais abrangente2.
2 Neste sentido foi a intenção de integração de Walter Halltein. COMISSÃO EUROPEIA DIRE-
ÇÃO-GERAL DA COMUNICAÇÃO. Compreender as políticas da União Europeia: Os pais fun-
dadores da União Europeia. Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia, 2013.
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA 13
O avanço da integração entre os países europeus teve impacto em sen-
tidos opostos no tocante à circulação de pessoas. Se por um lado o Acervo
Schengen3 reduz e elimina as barreiras para a circulação de cidadãos euro-
peus nas fronteiras internas Se por um lado ao tratar das fronteiras externas
é perceptíveljá por outro é perceptível o recrudescimento ao tratar. O trata-
mento diferenciado para os migrantes dos denominados “nacionais de países
terceiros”4 pode ser percebido nas normas adotadas pela União Europeia em
matéria sobre os refugiados5 e sobre os migrantes irregulares.
No bojo do Conselho Europeu de Tampere, realizado em 1999, houve o
impulso de harmonização da matéria no âmbito comunitário. Entretanto, os ob-
jetivos propugnados no encontro obtiveram pequenos avanços. Sabina Anne
Spinoza e Claude Moraes6 destacam que no momento posterior à sessão do
Conselho Europeu pôde-se perceber que o enfoque seria sobre a migração,
em especial a irregular, e as formas para desestimulá-las e repreendê-las em
detrimento das políticas relativas ao asilo.
3 O acervo Schengen é composto por: O acordo de Schengen assinado em 1985, a Conven-
ção de implementação assinada em 1990, os protocolos de acesso e as decisões e declara-
ções adotadas pelo Comitê Executivo criado pela Convenção de Implementação. O acer-
vo Schengen foi integrado ao direito comunitário pelo protocolo B anexo ao Tratado de
Amsterdã. Há também os regulamentos como o conhecido Código de Fronteiras Schengen
(regulamento nº 562/2006) e os que se referem à necessidade de vistos. SOARES, Denize
de Souza. A política de migração da União Europeia: pavimentando o caminho para a “for-
taleza Europeia”. Ano de apresentação: 2005. Tese (Doutorado em Direito Internacional)
— Faculdade de Direito da Uerj. Rio de Janeiro, 2005. p. 112-113.
4 Entende-se por “nacional de país terceiro”: “«Nacional de país terceiro», uma pessoa que
não seja cidadão da União, na acepção do nº 1 do artigo 17º do Tratado, e que não benecie
do direito comunitário à livre circulação nos termos do nº 5 do artigo 2º do Código das
Fronteiras Schengen” esta é a denição encontrada na diretiva de retorno. Tal denição
remete ao conceito de cidadania estabelecida no artigo 17º, do Tratado da Comunidade
Europeia, o qual dene a cidadania da União para aqueles que são nacionais de um dos
Estados-membros. Por sua vez o artigo 2º, item 5, rearma o conceito de cidadania euro-
peia e fala da livre circulação de nacionais de países terceiros e seus familiares no caso de
haver acordo entre a União e seus Estados-membros e o país terceiro.
5 Os refugiados estão em processo migratório, contudo eles se distinguem dos migrantes.
Os refugiados são migrantes que abandonaram seu país de origem em razão de perse-
guições e encontram-se em situação de risco. Este é o conceito adotado pela Conven-
ção relativa ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: -
admin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.
pdf?view=1>. Interessante notar que a Convenção é fruto de um momento de acentuado
uxo migratório de nacionais europeus que fugiam das Grandes Guerras. Além da de-
nição de refugiado constante na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951
é possível vericar na Convenção da Organização da Unidade Africana, de 1969, e na
Declaração de Cartagena, de 1984, denições que reetem situações vividas no contexto
africano e latino-americano.
6 ESPINOZA, Sabina Anne. MORAES, Claude. The law and politics of migration and asylum:
The Lisbon Treaty and the EU. In: The European Union after the treaty of Lisbon. New York:
Cambridge University Press, 2012.
14 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Embora nas conclusões da presidência após o encontro em Tampere7 es-
teja claro o objetivo de criação de um sistema comum europeu este não foi
plenamente desenvolvido como será visto adiante. De acordo com os autores
mencionados acima este posicionamento reete um aspecto político, que foi a
presidência do Conselho exercida pela Dinamarca (a partir de 2002). O posi-
cionamento deste país impactou a agenda de trabalho do Conselho8.
Além desta pauta voltada para a questão das imigrações ilegais é possível
perceber que o acervo comunitário sobre o direito de asilo ocorreu essencial-
mente por meio de diretivas9, apenas os acordos de Dublin, Dublin II e Dublin III
(como será visto adiante) foram por meio de regulamento. Tendo em vista que
as diretivas enfatizam objetivos determinados e não impõem meios para estes,
há um maior espaço de discricionariedade por parte dos Estados-membros e,
por consequência, a harmonização ca prejudicada.
Além disso, deve-se compreender que estas normas se direcionam para
os países-membros, mas também para os nacionais de países terceiros que
estão em situação de vulnerabilidade e dicilmente terão conhecimento de
todos os dispositivos necessários para concretizar os pedidos de asilo. Assim,
o direito fundamental de acesso à justiça é obstado; quanto mais complexo
for o arcabouço normativo, mais impedimentos à efetiva proteção ocorrerão.
Por isso, compreender o complexo sistema da União Europeia sobre o refú-
gio implica citar as normas já implantadas e vislumbrar as diculdades delas
decorrentes.
Em 2005, a diretiva 2005/85/CE dispôs sobre a concessão e retirada do
status de Refugiado e em 2008 foi adotada a denominada diretiva de retorno
(diretiva nº 2008/115/CE). Ambas apresentam termos amplos10 que possibilitam
interpretações ambíguas e desfavoráveis ao indivíduo que busca o asilo11. Em-
7 Conclusões da Presidência disponível em:
pt.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015.
8 ESPINOZA, Sabina Anne. MORAES, Claude. Ibid. p. 163-164.
9 As diretivas são uma espécie normativa que estabelecem um determinado objetivo a ser
atingido pelos Estados-membro. Este instrumento legislativo deve ser transposto para o
direito interno dos países, ou seja, não tem aplicação imediata, mas é xado prazo para sua
internalização. SARMIENTO, Daniel. O sistema Normativo da União Europeia e sua Incor-
poração às Ordens Jurídicas dos Estados-membros. p. 54-88. In: AMBOS, Kai; PEREIRA, A.
C. Mercosul e União Europeia: perspectiva da integração regional. Rio de Janeiro: Lúmem
Iuris, 2006. p. 68.
10 ALMEIDA, Paula. A diretiva de retorno como um reexo do endurecimento da política de
imigração da União Europeia: uma solução à géométrie variable. Revista de Direito do Es-
tado. Rio de Janeiro. ano 5 nº 17-18. p. 435-472, jan-jun. 2010
11 No presente artigo o termo “asilo” não é utilizado em seu conceito técnico de instituto
Latino-Americano reconhecido regionalmente como asilo diplomático, mas tão somente
como o direito ao asilo territorial. Celso de Mello destaca que refugiado é quem se benecia
do asilo territorial, tornando os termos quase equivalentes. MELLO, Celso D. A. Curso de
Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. 2, 2004, p. 1093. Por sua
vez, José H. Fischel de Andrade diferencia a origem de ambos institutos considerando que
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA 15
bora possa ser vericado a garantia formal de direitos fundamentais, como o
devido processo legal, verica-se que em diversas situações as garantias por
elas previstas não são regularmente aplicadas em virtude de interpretações
muito restritivas feitas pelos Estados.
Além destas disposições deve-se citar o regulamento12 de Dublin (esti-
pulado em 1990), o regulamento de Dublin II (regulamento nº 343/2003 do
Conselho) e Dublin III (regulamento nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do
Conselho). Um regulamento sucede o outro a respeito do estabelecimento de
critérios para atribuir ao Estado-membro a responsabilidade de receber os pe-
didos de asilo13.
Tal regulamento cria critérios para determinar o local de solicitação de
asilo. Pretende-se estabelecer critérios objetivos e, de acordo com o disposto
no texto, hierarquizados para impedir que ocorra sobreposição na atribuição
de análise dos pedidos. O regulamento utiliza o termo “Estado responsável”
para estabelecer o Estado-membro que será encarregado da análise do pedido
de asilo.
Tais critérios estão estabelecidos no capítulo III do regulamento de Du-
blin III. Nota-se que a xação destes critérios está em consonância com os
princípios do Direito Internacional dos Refugiados. Entre eles o princípio da
unidade familiar, conforme preconiza os artigos 9º, 10º e 11º, do Regulamento
Além dos critérios constantes no capítulo III, de forma expressamente sub-
sidiária, o artigo 3º, 2, do regulamento dispõe que o indivíduo deve apresentar
seu pedido de refúgio para o primeiro Estado no qual tiver ingressado. São
várias as razões que justicam esta regra. Esta determinação auxilia na identi-
cação e controle do número dos refugiados, bem como busca evitar que o in-
divíduo solicite refúgio em diversos países diferentes, garante maior segurança
jurídica e evita que o solicitante escolha o foro para proceder ao pedido.
o refúgio surgiu a partir do século XX com os fatos originados da Primeira Guerra Mundial.
Segundo o autor, esta proteção jurídica nasce no âmbito da extinta Liga das Nações para
grupos de refugiados determinados. FISCHEL DE ANDRADE, José H. O Direito Internacio-
nal dos Refugiados: Evolução Histórica (1921-1952). Rio de Janeiro: Renovar, 1996. P.19 e ss.
12 O regulamento está previsto no artigo 249, do Tratado da Comunidade Europeia. Este ins-
trumento normativo tem aplicação imediata e direta a todos os Estados-membro. “Os re-
gulamentos não requerem execução normativa por parte dos Estados-Membros, pois suas
disposições já operam na ordem jurídica (...)”. SARMIENTO, Daniel. O sistema Normativo da
União Europeia e sua incorporação às Ordens Jurídicas dos Estados-Membros. Op. cit. p. 68.
13 A revogação é expressa. Em seu artigo 24, o regulamento de Dublin II dispõe que o regu-
lamento anterior foi substituído. De igual forma o artigo 48 do regulamento de Dublin III
prevê a revogação do regulamento de Dublin II. Tais regulamentos estão disponíveis em:
-
-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2013:180:0031:0059:PT:PDF>. Aces-
so em: 15 de nov. 2015.
16 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
No entanto, essas regras têm se mostrado inecientes. Isto porque há um
desequilíbrio numérico entre os países que recebem refugiados. Países que
possuem costa para o mar Mediterrâneo tendem a absorver maiores contin-
gentes tal como ocorre com a Grécia e a Itália. O ingresso pelo sul da Itália
registrou cerca de 116.00014 imigrantes15 irregulares, e pela Grécia há intenso
aumento na imigração, contando com mais 211.000 indivíduos ingressando de
forma irregular devido à proximidade da costa de países do norte da África16.
Por consequência, esses países, por vezes, não realizam os procedimen-
tos necessários para a identicação destas pessoas que buscam acolhimento e
tampouco são capazes de assegurar os direitos fundamentais dos requerentes
de asilo. Esta diculdade prática foi reconhecida pelo próprio Tribunal de Jus-
tiça Europeu.
Nos pedidos de decisão prejudicial requeridos pela Court of Appeal (En-
gland & Wales) (Civil Division) (Reino Unido) e pela High Court (Irlanda), res-
pectivamente nos processos C-411/2010 e C-493/2010, por exemplo, o tribunal
reconhece que embora os países da UE sejam considerados seguros17, na práti-
ca é preciso vericar se os Estados possuem condições de garantir os direitos
fundamentais dos requerentes de asilo.
No parágrafo 87 do acórdão do Tribunal o desequilíbrio entre os Esta-
dos-membros no tocante ao contingente recebido é evidenciado18. Ainda que
nesta decisão que claro que entre os membros da UE prevalece o princípio
da conança mútua e a presunção de respeito aos direitos fundamentais, a so-
brecarga de um deles pode implicar o não cumprimento adequado do sistema
comum europeu de asilo.
14 Estes são números registrados pelos dados da FRONTEX.
15 No presente artigo utiliza-se comumente o termo “imigrante” ou “migrante”, posto que o
status de refugiado precisa ser reconhecido pelo país que acolhe o indivíduo.
16 SILVA Jr., Evaldo. O refúgio no Direito Internacional Contemporâneo. Ano de apresentação:
2015. Dissertação (mestrado em Direito Internacional) — Faculdade de Direito da Uerj. Rio
de Janeiro, 2015. p. 16.
17 Por serem considerados seguros o envio do requerente a asilo para o Estado-membro
responsável não importa inobservância ao princípio non-refoulement e estaria em conso-
nância com o sistema comum europeu.
18 Assim dispõe o parágrafo 87 do referido acórdão: “No que diz respeito à situação na Gré-
cia, é pacíco entre as partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça que
esse Estado-membro era, em 2010, o ponto de entrada na União de cerca de 90% dos
migrantes ilegais, sendo certo que os encargos suportados por esse Estado-membro re-
sultantes deste auxo são desproporcionados em relação aos suportados pelos restantes
Estados-membros e que as autoridades gregas são materialmente incapazes de fazer face
a este auxo. A República Helênica indicou que os Estados-membros não tinham aceitado
a proposta da Comissão de suspender a aplicação do Regulamento nº 343/2003 e de o
alterar, atenuando o critério da primeira entrada”. Disponível em:
juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d5974bbedcd81248e58cdf871aaa51
bf39.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuSbx90?text=&docid=117187&pageIndex=0&doclang=pt&
mode=lst&dir=&occ=rst&part=1&cid=1020263>. Acesso em: 25 fev. 2015.
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA 17
Outro aspecto problemático destacado pelo Chefe da Polícia Federal
Alemã, Dieter Romman19, é o grande número de migrantes que teria entrado
na Alemanha após passar livremente pela Itália. Ou seja, o migrante que che-
ga à costa italiana por vezes não é identicado (na forma do regulamento nº
2725/2000/CE) e transpõe a fronteira entre os países membros da EU porque
são partes do acordo Schengen20. Assim, a diculdade de comportar o grande
número de indivíduos que ingressam na Europa buscando proteção fragiliza
também a ideia de liberdade de locomoção dentro do bloco.
Além desta postura, a Itália, bem como outros países, adotou uma outra
estratégia de impedir o acesso dos migrantes ainda em alto-mar21. Os navios
italianos interceptam embarcações guiadas por tracantes de pessoas22 para
forçar o retorno antes mesmo do ingresso em território italiano.
Este delicado quadro mostra que o esforço da União Europeia em reprimir
a entrada ilegal no território dos Estados-membros está, em verdade, retroali-
mentando e ampliando rotas ilegais. Cathryn Costello23 e outros pesquisadores
apresentaram em seu estudo estas consequências e destacaram que a própria
exigência de vistos para países da África e do Oriente Médio levam muitos in-
divíduos para as arriscadas viagens clandestinas.
Outra crítica destacada pelos autores é a ausência de previsão no regu-
lamento da oitiva dos próprios requerentes a respeito do local no qual têm
19 HASSELBACH, Christoph. Política europeia para refugiados é fragmentada. DW. S.l. Publi-
cada em: 20 de janeiro de 2015. Disponível em:
-europeia-para-refugiados-%C3%A9-fragmentada/a-18200970>. Acesso em: 29 fev. 2016.
20 Conforme destacado por SILVA e AMARAL, a migração de indivíduos extracomunitária é
o problema mais grave: “Sob a óptica de Schengen, dos Tratados Constitutivos e do Pacto
Europeu sobre Imigração e Asilo, portanto, ca claro que a origem da ameaça reside do
lado de fora da União. Esta ameaça seria a estrangeira, e se manifesta em forma de de-
linquência organizada e transnacional grave, terrorismo, tráco de estupefacientes e de
seres humanos, atos delitivos que consideraram vinculados às populações não cidadãs, em
especial às migrações irregulares”. SILVA, Wanise Cabral; AMARAL, Nemo de Andrade do.
A migração na Europa: a ação política da União Europeia para as migrações extracomuni-
tárias. Revista Sequência. Florianópolis, nº 66, p. 235/259, jul. 2013. Disponível em:
www.scielo.br/pdf/seq/n66/10.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2016.
21 Como exemplo é possível citar a operação Triton e Poseidon coordenadas pela FRON-
TEX (cuida da Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras externas dos Estados-
-membros). Tais operações têm como objetivo resgatar imigrantes em situação de risco
em alto-mar e paralelamente impedir que eles ingressem em território da União Europeia.
Comunicado de imprensa da Comissão Europeia. Disponível em:
press-release_MEMO-15-5597_en.htm>. Acesso em: 14 nov. 2015.
22 Outra forma utilizada para travessia do mediterrâneo é denominada “navio fantasma” na
qual os tracantes de pessoas abandonam o navio cargueiro com as pessoas dentro e dei-
xam a embarcação ligada no piloto automático.
23 COSTELLO, Cathryn et al. Enhancing the common European Asylum system and alterna-
tives to Dublin. Study for LIBE Committee. Directore-General for internal policies. Policy
Department C — Citizens’ Rights and Constitutional affairs European Parliament. B-1047.
Brussels. 2015. P.21 e ss. Disponível em:
STUD/2015/519234/IPOL_STU(2015)519234_EN.pdf>.Acesso em: 8 mar. 2016.
18 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
interesse de xar sua residência. Ou seja, o sistema atual vincula obrigatoria-
mente o Estado considerado responsável e o requerente sem que seja possível
questionar tais critérios.
Observa-se que um Estado individualmente recebe o pedido, acolhe o
requerente e lhe confere, ou nega, o status de refugiado. Portanto, todo o
processo decisório a respeito da condição do indivíduo recai sobre um país.
Esta sistemática favorece que os Estados-membros busquem não se respon-
sabilizar pelos contingentes. Por isso a atuação conjunta tem sido ampliada.
As comunicações da Comissão24 têm enfatizado a importância da atuação das
agências europeias, tal como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de
Asilo (European Asylum Support Ofce — EASO, sigla em inglês), em especial
nos países que estão em situação de intenso uxo de migrantes25 (os denomi-
nados “hotspot”).
Há, também, a discussão a respeito de uma nova reorganização das regras
de Dublin. Notadamente, há intenção de equacionar o número de refugiados
de acordo com o número de habitantes e capacidade econômica dos países
(sistema de realocação dos refugiados). Contudo, esta proposta encontra re-
sistência por parte de alguns. Importante destacar que o desejo de uma ação
comum entre os Estados-membros neste tema é previsto de forma recorrente
nos tratados que constituem o bloco europeu.
Inicialmente, a ideia da livre circulação de pessoas estava ligada estrita-
mente à livre circulação de trabalhadores dentro da União26. O tratado da União
Europeia (Tratado de Maastricht) já previa em seu artigo K.1 das disposições
sobre a cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos que a maté-
ria de asilo e imigração de nacionais de países terceiros deveriam ser cuidadas
no âmbito do direito da União Europeia.
O tratado de Amsterdã também dispõe sobre o tema em seu artigo 2º,
item 15, ao prever a incorporação do Título III-A com os artigos 73º-I e artigo
73º-K. Entretanto, estas disposições preveem a futura implantação pelo Conse-
lho de normas comuns sobre refúgio.
24 Destaca-se a COM 2016 (85) F1, na qual são apontados os problemas atuais, bem como os
planos de ação em curso e o desenvolvimento de mais metas para a implementação efetiva
deles. Disponível em:
85-PT-F1-1.PDF>. Acesso em: 7 mar. 2016.
25 Esta função está expressa no artigo 2º do Regulamento nº 439/2010: “Artigo 2. (...) 2. O
Gabinete de Apoio presta apoio operacional efectivo aos Estados-membros cujos sistemas
de asilo e acolhimento estejam particularmente sujeitos a pressões, mobilizando todos os
recursos úteis à sua disposição, incluindo a eventual coordenação de recursos disponibi-
lizados pelos Estados-membros nas condições estabelecidas no presente regulamento. ”
Disponível em: .
Acesso em: 7 mar. 2016.
26 SOARES, Denize de Souza. Op. cit. p. .104.
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA 19
Nota-se que a formação da União Europeia se pauta pela observância dos
direitos humanos e da constituição de um espaço de liberdade, segurança e
justiça. Neste sentido, o tratado de Lisboa, 2007, armou a força normativa da
Carta de Direitos Humanos da União Europeia (2000), na qual em seu artigo
1827 enumera o direito ao asilo. O tema também está presente na Convenção
Europeia dos Direitos do Homem em seu protocolo adicional nº 4, em seu ar-
tigo 4º no qual está prevista a proibição de expulsão coletiva de estrangeiros.
No entanto, em muitas disposições normativas da União Europeia há uma
confusão e mistura entre o tratamento direcionado para os migrantes e para
os refugiados. O migrante considerado irregular é aquele que não preenche os
requisitos estabelecidos no artigo 5 do Código de Fronteiras Schengen, ao qual
remete também o artigo 3º, 2, da diretiva de retorno. Assim sendo, o migrante
que busca refúgio será considerado irregular na medida em que não tenha con-
dições de provar seus meios de subsistência e tampouco possua documentos
que comprovem suas identicações.
Além destes aspectos, tanto o código de fronteiras Schengen quanto a
diretiva de retorno determinam como medida prioritária para os imigrantes ir-
regulares o retorno a seus países de origem ou outro que os aceite. Entretanto,
o direito internacional dos refugiados pauta-se pelo princípio do non-refoule-
ment, ou seja, para a preservação da integridade física e psíquica dos indivídu-
os em busca de asilo é vedada o envio destes de volta ao país do qual fugiram.
Por tal razão, estas normas devem ser afastadas no tocante aos indivíduos que
buscam o refúgio, pois estes estão sendo perseguidos28.
Atualmente, uma nova onda migratória está em curso na Europa e decorre
principalmente da guerra na Síria. O Alto-Comissariado da ONU para refugia-
dos (ACNUR) considera que apenas uma ação conjunta dos Estados Europeus
poderia garantir os direitos dos refugiados. Entre as rotas utilizadas, muitos
refugiados tentaram o ingresso pela Hungria, porém a reação do primeiro-mi-
27 Assim dispõe o artigo 18: “É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Ge-
nebra de 28 de julho de 1951 e do Protocolo de 31 de janeiro de 1967, relativos ao estatuto
dos refugiados, e nos termos do Tratado que institui a Comunidade Europeia”. Disponível
em: . Acesso em: 12 nov. 2015.
28 FISCHEL DE ANDRADE, José H. evidencia a diculdade da conceituação do termo per-
seguido ou perseguição. Segundo o autor, tal termo não é denido na maioria dos textos
legais e nas ocasiões em que há tentativa dessa conceituação surgem mais conceitos inde-
terminados. Neste sentido, Fischel demonstra que esta ausência de denição é problemáti-
ca, posto que muito pedidos de refúgio são negados baseados na não existência de perse-
guição do indivíduo. Desta forma, o autor propõe que sejam analisados alguns elementos,
tais como: quem efetua a perseguição, como ocorre esta, quais são suas vítimas, quando
ela acontece e quais são seus motivos. ANDRADE, J. H. Fischel de. On the Development of
the concept of “Persecution” in International Refugee Law. III Anuário brasileiro de Direito
Internacional. v. 2. p. 114-132. 1º semestre, 2006. Disponível eletronicamente no site:
www.cedin.com.br/publicacoes/anuario-brasileiro-de-direito-internacional/>. Acesso em:
5 nov. 2015. Os artigos 9º e 10º da diretiva nº 2011/95/ UE tentam xar esse conceito.
20 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
nistro Viktor Orbán evidenciou que a imigração (mesmo sendo de refugiados)
é vista apenas como ameaça à economia e segurança dos países europeus29.
Algumas medidas extremamente hostis foram aplicadas, tais como: a cons-
trução de uma cerca na fronteira com a Sérvia, o uso de bombas de água e de
gás lacrimogênio e o bloqueio ao acesso dos refugiados à estação de trem de
Budapeste. A repercussão destas medidas mostrou que a regulação do tema ain-
da precisa avançar. A condição de refugiado pressupõe uma análise individual.
Assim, nos momentos de intensas crises migratórias, os Estados têm se mos-
trado inecazes no processamento dos pedidos. Esta foi uma das alegações da
Hungria30, considerando que não havia condições materiais de aplicar a regra esta-
belecida no regulamento de Dublin a respeito do processamento e análise do pe-
dido de refúgio no primeiro país-membro da União a qual chegarem os indivíduos.
Notadamente este regulamento ao estabelecer tal critério privilegiou a
segurança das fronteiras externas. Contudo, gerou desequilíbrio entre os Es-
tados-membros os quais possuem estas fronteiras considerando que aqueles
países que não têm contato fronteiriço com países terceiros apenas excepcio-
nalmente processariam os pedidos de asilo.
A União Europeia tem se manifestado para efetivar melhores respostas
para a iminente crise. Neste contexto é possível destacar instrumentos norma-
tivos que estão pautando a política de asilo. São eles: a Diretiva Procedimentos
de Asilo (2005/85/CE, atual: 2013/32/EU), a Diretiva do Estatuto dos Refugia-
dos (2004/83/CE, atual: 2011/95/EU), a Diretiva Condições de Acolhimento
(N. 2003/9/EC, atual: 2013/33/UE) e as regras do EURODAC (regulamento nº
2725/2000/EC)31 sobre o recolhimento de impressões digitais. No entanto, o
tratamento conferido aos indivíduos nestas diretivas ainda se pauta, de forma
acentuada, na coercitividade. Utiliza-se largamente a detenção como forma de
impedir fugas e eventuais transposições ilegais de fronteiras32.
29 SERRANO, Pedro Estefam. A resposta húngara à crise dos refugiados e o velho dilema eu-
ropeu. Carta Capital. Publicado em 30 de setembro de 2015. Disponível em:
cartacapital.com.br/internacional/a-resposta-hungara-a-crise-de-refugiados-e-o-velho-
-dilema-europeu-9197.html>. Acesso em: 2 de nov. 2015.
30 Ana Bárbara M. Tesche relata que no centro de recepção em Debrecen falta pessoal para
realizar acompanhamento médico e psicológico. Além disso, o centro comporta pessoas
em situações jurídicas diversas, por exemplo refugiados que zeram o pedido de asilo e
imigrantes ilegais. TESCHE, Ana Bárbara M. Diretiva da União Europeia: uma análise do
centro de recepção dos refugiados em Debrecen, Hungria. Revista Cippus Unilasalle. Rio
Grande do Sul. n. 2, v. 2. p.1-12, 2013. p. 6-7. Disponível em:
br/index.php/Cippus/article/view/1068/946>. Acesso em: 1 mar. 2016.
31 O sistema EURODAC consiste em um sistema integrado de recolhimento de impressões
digitais para identicação de imigrantes que já tenham solicitado asilo em um país da EU
ou que tenha trânsito irregular por algum dos Estados-membros.
32 Cabe destacar que os considerandos nos 15 e 16, bem como o artigo 8º, da diretiva nº
2013/33/EU, estabelecem a detenção como o último recurso, contudo, na prática este pro-
cedimento é comumente utilizado.
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA 21
Diante da situação atual, pautada pela diculdade de harmonização e
crescimento constante do número de requerentes, e do interesse perene pelo
enfrentamento conjunto da questão do asilo, a Comissão Europeia está nego-
ciando um plano de urgência para realocar cerca de 120 mil refugiados que se-
riam divididos de acordo com um cálculo estabelecido pela própria Comissão.
Este plano de atuação pauta-se pelo artigo 78, nº 3, do Tratado de Funciona-
mento da União Europeia.
Em razão deste dispositivo que compõe as normas comunitárias, os Esta-
dos-membros devem acolher o mecanismo de realocação de urgência, tendo
em vista o princípio da primazia que se impõe. Marco Borraccetti33 destaca
que a medida temporária incentiva a solidariedade e a cooperação entre os
Estados-membros e apresenta aspectos objetivos para xação do número de
refugiados a serem realocados. Contudo, apresenta algumas falhas, entre elas,
segundo o autor, não há previsão de sanção caso o Estado recuse o refugiado.
Paralelamente, a Comissão Europeia busca desenvolver um mecanismo
que estabeleça quotas permanentes de refugiados por país-membro da União
Europeia34, entretanto alguns países se posicionaram contra essa política. A
alegação destes é de que por razões econômicas não teriam condições de alo-
car os refugiados. Este impasse tende a se agravar em razão dos recentíssimos
ataques terroristas ocorridos na França no dia 13 de novembro (o presidente
francês, François Hollande, declarou estado de emergência e anunciou o fecha-
mento das fronteiras)35.
Desta forma é possível compreender que o ambiente da União Europeia
enfrenta diversas diculdades no tocante à política comum sobre asilo. Além
do aspecto econômico, muitos países da União argumentam não ter capacida-
de de integrar e garantir os direitos mínimos aos refugiados, deve-se ater, tam-
bém, para a questão cultural e da segurança. Diante deste cenário dicultoso é
preciso compreender e resgatar a razão da solicitação de refúgio: o direito ao
refúgio se funda nos direitos humanos.
33 BORRACCETTI, Marco. “to quota” or “not to quota”? The EU facing effective solidarity in its
asylum policy. Disponível em:
to_quota_The_EU_facing_effective_solidarity_in_its_Asylum_Policy>. Acesso em: 4 mar.
2016.
34 Disponível em:
no-da-uniao-europeia-para-os-refugiados.html>. Acesso em: 10 nov. 2015.
35 No momento da elaboração deste artigo ocorreu um ataque à capital Paris, tendo sido
registrado um número de mortos extremamente elevado, fala-se em 129 mortos e cen-
tenas de feridos. Os ataques ocorreram no centro de Paris 10ème e 11ème arrondissement,
próximo ao estádio de futebol Stade de France, dentro da casa de espetáculos Bataclan,
onde houve o maior número de vítimas, e em outros pontos da cidade. Disponível e m:
-
-paris.html>. Acesso em: 14 nov. 2015.
22 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
2. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito
Internacional dos Refugiados: Uma leitura integrada para
fomentar mais proteção para os refugiados na União Europeia
A atual interpretação do ACNUR sobre a integração entre o direito internacio-
nal dos direitos humanos e o direito internacional dos refugiados demonstra
uma dupla acepção nesta inter-relação. A primeira identica-se com a positiva-
ção do direito de asilo pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (como
visto anteriormente). Em contrapartida a situação caracterizadora desse direi-
to pressupõe violações atuais ou iminentes aos direitos à vida, à integridade
física (e psíquica), à saúde, à liberdade de locomoção, liberdade religiosa e de
opinião, entre outros direitos igualmente consagrados.
No âmbito internacional a estreita relação entre o direito de asilo e os di-
reitos humanos pode ser corroborada pelas conclusões sobre a proteção inter-
nacional dos refugiados do Comitê Executivo do Programa do ACNUR36. Con-
forme destaca Cançado Trindade37, deve-se assumir que os direitos humanos
norteiam todos os momentos de incidência dos uxos migratórios38 que este-
jam em situação de perseguição. Assim, deve-se objetivar uma aplicação inte-
grada de medidas para prevenir a ocorrência de intenso êxodo de refugiados,
bem como a aplicação posterior na etapa denominada de solução duradoura.
Em que pese a um intenso embate entre os membros da União Europeia
a respeito da elaboração de normas comuns para o tratamento do direito ao
refúgio, deve-se destacar que a intensicação do controle não é suciente para
impedir os uxos migratórios. São necessárias múltiplas medidas para garantir
condições de vida digna para os seus requerentes39.
Assim, considerando o contingente humano em deslocamento, os países
europeus que compõem a União devem compreender que isoladamente não
36 Conforme dispõe a conclusão nº 50 (b), do Comitê Executivo do Programa do ACNUR: “No-
ted the direct relationship between the observance of human rights standards, refugee mo-
vements and problems of protection.” Disponível em:
html>. Acesso em: 15 nov. 2015.
37 TRINDADE, A. A. Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. 1. 2. ed.
Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2003. p. 395 e ss.
38 Destaca-se que Flávia Piovesan identica quatro momentos a respeito da situação de re-
fúgio, são eles: o momento prévio caracterizado pela conguração da perseguição ao in-
divíduo; o segundo momento caracterizado pela efetiva emigração, quando os indivíduos
precisam sair do seus países de origem ou residência; o terceiro momento cuida do período
de refúgio propriamente dito; e, por m, o quarto momento se relaciona com as soluções
permanentes, nas palavras da autora: “Dentre as soluções duráveis destacam-se: 1) a repa-
triação voluntária (a repatriação de refugiados ao seu país de origem deve ser caracteriza-
da sempre pelo caráter voluntário do retorno)21; 2) a integração local e 3) o reassentamento
em outros países. [...]” PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 135.
39 Importante salientar que a União Europeia elaborou planos de ação no sentido de mini-
mizar o contingente em deslocamento, tais como: Fundo Fiduciário de emergência para
a África, o Plano de ação conjunta EU-Turquia, Mecanismo em favor dos Refugiados na
Turquia, entre outros.
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA 23
será viável elaborar meios para solucionar o problema. Portanto, ainda que
obstáculos para elaboração de normas comuns existam inicialmente, a inter-
pretação das normas comunitárias existentes deve ser no sentido de ampliar a
proteção dos direitos humanos.
Isto porque o direito comunitário em matéria de asilo incorpora as normas
do direito internacional. Como foi possível vericar anteriormente, as direti-
vas fazem expressa menção à Convenção relativa ao Estatuto dos refugiados
(1951) e ao seu protocolo (1967). Ademais, a Carta de Direitos Humanos da
União Europeia (2000) reete a Declaração Universal dos Direitos Humanos
e incorpora o direito de asilo como um direito humano, conforme destacado
anteriormente no presente artigo. Ou seja, tal direito incorpora o patrimônio
jurídico de todos os seres humanos.
A União Europeia, além de considerar a proteção do refugiado, precisa
expandir o âmbito de suas normas para dispor efetivamente de forma conjunta
sobre a prevenção de violação dos direitos humanos no momento anterior ao
pedido de asilo. De forma semelhante, sob uma perspectiva posterior ao pe-
dido de refúgio, também é necessário ampliar medidas para as denominadas
soluções duradouras (ou permanentes).
Isto porque o caráter prioritário das diretivas de Procedimentos de Asi-
lo (2005/85/CE, atual: 2013/32/UE), a Diretiva do Estatuto do Refugiado
(2004/83/CE, atual: 2011/95/EU), a Diretiva de Condições de Acolhimento (nº
2003/9/EC, atual: 2013/33/UE), o regulamento nº 2725/2000/EC (regras re-
lativas à EURODAC) e o regulamento de Dublin III (conjunto de normas de-
nominado de Sistema Europeu Comum de Asilo) dispõem essencialmente do
momento de requerimento do pedido de asilo. Destaca-se que há dispositi-
vos relativos ao retorno de solicitantes que perderam o status de refugiados
por serem considerados imigrantes irregulares (como a diretiva de retorno e
a decisão chater), contudo, o desenvolvimento de meios para as denominadas
soluções duradouras (ou permanentes) também carecem de planos de ação
mais efetivos.
De outro modo, a garantia da efetiva proteção dos direitos humanos para
os refugiados ca extremamente fragilizada. Se pela perspectiva de elaboração
normativa já são identicados problemas40 de harmonização das medidas, sob
o enfoque da proteção dos direitos humanos o desao é ainda maior.
40 O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados identicou que a diretiva de
procedimento de asilo (2005/85 CE) é aplicada de formas distintas entre os doze países
analisados. “[...] O estudo revelou não só que os Estados-membros estão a aplicar a Direti-
va de Procedimentos de Asilo de uma forma diferente, mas também, em alguns casos, de
formas que infringem o direito internacional dos refugiados. Os investigadores informaram
que nem sempre era concedida uma entrevista pessoal aos requerentes ou que não lhes era
24 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Portanto, nota-se que a partir do tratamento diferenciado de imigrantes
irregulares e de refugiados e da harmonização normativa no sentido de abarcar
não apenas o momento da solicitação de refúgio, mas igualmente o cuidado
com a aplicação dos direitos humanos nos três momentos atinentes ao direito
de refúgio: anterior ao pedido, no transcurso do seu processamento e após
com medidas de integração ou retorno voluntário dos refugiados (caso hajam
cessadas as ameaças que forçaram sua emigração) os objetivos humanitários e
de segurança dos Estados poderão ser atingidos.
Conclusão
A questão do acolhimento dos refugiados na União Europeia, aqui abordada,
permite inferir que para um problema historicamente complexo as medidas a
serem adotadas devem ser diversicadas e apoiadas pelo bloco de forma mais
eciente.
A atual crise que já deslocou mais de 140 mil pessoas evidenciou discor-
dâncias e tensões internas no bloco europeu que inviabilizam medidas de ur-
gência. Somando-se ao direito soberano dos Estados em admitir estrangeiros
em seu território, a preocupação com a segurança interna tem afastado a pos-
sibilidade de harmonização normativa neste campo.
Se por um lado a necessidade de integração para enfrentar a crise tem
criado inúmeros organismos para scalização das fronteiras, como, por exem-
plo, a FRONTEX, por outro, as ações em conjunto no âmbito legislativo não
produzem o resultado desejado. Foi a partir deste problema que o artigo ana-
lisou o conjunto normativo existente sobre o direito dos refugiados. Desta aná-
lise foi possível perceber que a intenção de criação de regras comunitárias
sobre o tema perpassa décadas, contudo, há uma tensão constante entre os
países-membros para que este tema deixe de ser cuidado pelas regras internas.
Por isso, no âmbito da União, o arcabouço jurídico do direito de refúgio
está posto em diretivas. Outra observação feita a partir das disposições destas
diretivas foi a preocupação central no momento de processamento e análise
dos pedidos de refúgio. Mais especicamente, não estão claras as medidas pro-
tetivas aos indivíduos nos momentos anterior e posterior ao pedido de refúgio.
Tais constatações devem ser avaliadas de forma conjunta com a situação
fática do bloco europeu. Assim, o artigo ao conjugar a questão jurídica e fática
pôde considerar que há uma mescla entre o tratamento dado ao migrante econô-
dado tempo suciente para se prepararem para as entrevistas ou para explicarem os seus
pedidos. Os intérpretes nem sempre estavam disponíveis ou eram qualicados [...]”
Notícia disponível em:
nur-destaca-diferencas-no-modo-como-os-paises-da-ue-analisam-os-pedidos-de-asilo>.
Acesso em: 15 nov. 2015.
A ATUAL CRISE DOS REFUGIADOS NA EUROPA 25
mico e aos refugiados. Isso diculta a apreciação dos refugiados como uma ques-
tão humanitária, que demanda acolhimento para a garantia dos direitos humanos.
Além disso, foi possível identicar a falha na atuação da União Europeia
em expandir a proteção dos direitos humanos para momentos diversos, o que
auxilia não apenas os refugiados, mas igualmente a segurança dos Estados na
medida em que a diminuição do uxo de refugiados só será possível se solu-
ções duradouras começarem a ser elaboradas.
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