Anistia: o difícil equilíbrio entre justiça e reconciliação

AuthorEduardo Helfer de Farias
Pages69-85
Resumo
Este artigo procura analisar a difícil ponderação entre o direito das vítimas e
a necessidade de reconciliação na concessão de anistias em sociedades pós-
-conito. Nesse intuito, foi realizada uma breve análise comparada da jurispru-
dência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Europeia de
Direitos Humanos, com suas abordagens, ora distintas, ora convergentes, sobre
o tema. Por m, concluiu-se que, apesar de ter adquirido certa uniformidade
legislativa e jurisprudencial, o tema está longe de ser esgotado.
Palavras-chave
Corte Interamericana de Direitos Humanos — Corte Europeia de Direitos Huma-
nos — Anistia — Justiça de Transição
Abstract
This paper aims to analyze the hard balance between the right of the victims
and the need for reconciliation in the issue of the concession of amnesty in
post-conict societies. For this purpose, it was conducted a brief compared
study of jurisprudence of the Interamerican Human Rights Court and the Eu-
ropean Human Rights Court, scrutinizing each specic approach on this issue,
sometimes similar, sometimes radically different. The paper concludes that,
despite the degree of uniformity already achieved in laws and jurisprudence,
the controversies are far from over.
Keywords
Interamerican Human Rights Court — European Human Rights Court — Amnes-
ty — Transitional Justice
Introdução
Quanto mais longos forem os conitos entre grupos armados, maior a probabi-
lidade de ocorrerem tragédias irreparáveis. Quanto mais tragédias ocorrerem,
ANISTIA: O DIFÍCIL EQUILÍBRIO ENTRE JUSTIÇA E
RECONCILIAÇÃO
eduArdo helfer de fAriAs
70 REVISTA DO PROGRAMA DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
maior será o ódio entre as partes e mais o conito se perpetuará. Em determi-
nado momento de um combate prolongado, as partes começarão a se sentir di-
vididas entre o desejo de paz e a vontade de fazer com que todo o sofrimento
do conito não tenha sido em vão.
É nesse momento, geralmente, que começam as negociações. Ceder parte
de suas reivindicações ao adversário — a quem se atribui a responsabilidade
por tanto sofrimento — é sempre algo muito sensível que exige um bom grau
de magnanimidade. Principalmente porque, muito provavelmente, será preciso
acordar algum grau de anistia mútua como condição para a paz. A controvérsia
reside em estabelecer o ponto de equilíbrio ideal entre perdão e justiça que
permita, por um lado, que as vítimas tenham sua reparação e, por outro, que
cessem as hostilidades.
Historicamente, essa discussão permaneceu sob o manto da soberania
nacional, resolvendo cada Estado internamente como se daria seu processo
de paz. Contudo, as tragédias resultantes das Guerras Mundiais do século XX
mudaram esta compreensão.
Por um lado, o excesso de rigor das Forças Aliadas para com a Alemanha
e os demais derrotados ao m da 1ª Guerra Mundial é frequentemente apon-
tado como uma das principais causas para o começo da 2ª Guerra Mundial.1
Além das pesadas reparações nanceiras e territoriais previstas na humilhante
cláusula 231 do Tratado de Versalhes,2 os aliados ainda impuseram limitações à
capacidade legislativa dos vencidos, como a restrição ao número de soldados
que a Alemanha poderia ter em seu exército, o m do serviço militar obrigató-
rio e a limitação ao porte dos navios.3
Por outro lado, as atrocidades cometidas pelo regime nazista na Alemanha
levaram a uma contagem de corpos que ultrapassou 6 milhões na 2ª Grande
Guerra.4 Seus executores não apenas cometeram tais atrocidades, como um
número signicativo teve muito prazer em cometê-las.5
A experiência da 1ª Guerra Mundial ensinou ao mundo as consequências
de uma justiça tão rigorosa a ponto de se tornar indistinguível da vingança. Por
sua vez, a experiência da 2ª Guerra Mundial apresentou ao mundo crimes tão
atrozes que não poderiam passar impunes, sob pena de se cometer injustiça
contra as vítimas e recomeçar o conito.
O tão almejado equilíbrio nesses dilemas consiste em evitar que a justiça
se torne vingança e que o perdão se transforme em impunidade, pois ambos
são igualmente perigosos para a paz.
I — Justiça de transição e anistia
Frederking considera que uma sociedade pós-conito costuma ter quatro ob-
jetivos, que seguem enumerados em ordem de prioridade: (i) estabelecer a ver-

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